O Fim da Maldição do Bambino
Esta é a história dos Boston Red Sox, que em 2004 ganharam o campeonato Americano de basebol, ou como dizem nos Estados Unidos, são Campeões do Mundo. Não jogaram um único jogo contra uma equipa estrangeira, mas nos Estados Unidos quem é campeão, seja de basquetebol ou basebol, é campeão do mundo e pronto.
Para compreender a razão pela qual mais de três milhões de pessoas encheram as ruas de Boston para aplaudir a equipa, é preciso regressar a 1918, a última vez que os Red Sox se sagraram Campeões do Mundo. Em 1918, não só os Red Sox eram campeões como eram a equipa de basebol com mais títulos e tinham um plantel recheado de estrelas. Apesar de estar em início de carreira, a principal estrela já era Babe Ruth, conhecido por Il Bambino. Desde 1917 que o dono dos Red Sox era Harry Frazee, um produtor de musicais que costumava dizer que o melhor de Boston era o comboio para Nova Iorque. Em 1919, para financiar uma peça na Broadway, Harry Frazee vendeu Babe Ruth aos Yankees de Nova Iorque. Outros jogadores dos Red Sox seguiram o mesmo caminho nos anos seguintes mas nenhum teve o mesmo impacto do Bambino.
Tal como a maioria dos jogadores de basebol, o Bambino não era um grande atleta tendo até uma barriga mais digna de um fã do que de um atleta de alta competição, mas isso não tem grande importância num desporto como basebol. Já nesse tempo era normal os jogadores participarem em mais de 150 jogos por temporada. O que fazia a diferença era a extraordinária capacidade do Bambino em acertar com um taco numa bola lançada a quase 150 Km/h, de tal maneira que as receitas geradas pelo Bambino tornaram possível aos Yankees construir o seu próprio estádio em 1923. Este estádio, que ainda hoje é a casa dos New York Yankees, ficou conhecido como “A Casa que o Ruth Construiu.” Os Yankees, que até então nunca tinham ganho um único título, venceram quatro ‘campeonatos mundiais’ e uma série de títulos menores até que o Bambino deixou Nova Iorque em 1934 para pouco depois se reformar.
Enquanto os Yankees celebravam títulos, Harry Frazee tinha destruido o património dos Red Sox: não só tinha vendido os melhores jogadores como tinha hipotecado o estádio, o mítico Fenway Park no coração de Boston. Em 1923, quando Harry Frazee deixou os Red Sox, estes terminaram a época em último lugar e tinham uma legião de adeptos magoados. Entre estes estava um taxista que quando soube que o seu passageiro era Harry Frazee não resistiu a esmurá-lo, provavelmente fazendo aquilo que qualquer Bostoniano gostaria de ter feito. Harry Frazee foi para Nova Iorque e nunca mais regressou a Boston.
Tinha nascido a maldição do Bambino. Não que Babe Ruth alguma vez tenha demonstrado algum ressentimento em relação aos Red Sox–ao contrário de, por exemplo, Bella Guttmann cuja maldição contra o Benfica perdura até hoje. No entanto, mesmo depois de os Red Sox refazerem a equipa, sempre havia alguma força que os parecia impedir de ganhar o campeonato. Desde 1918, os Red Sox foram por cinco vezes à final do campeonato. As eliminatórias–play-off–do campeonato de basebol, tal como no basquetebol, são decididas à melhor de 7 jogos. Todas as cinco finais perdidas pelos Red Sox foram perdidas por 4-3. Nas meias-finais de 2003, os Red Sox defrontaram os Yankees–entretanto o clube com mais títulos no basebol Americano. Com 3 vitórias para cada lado, o decisivo jogo 7 até começou com uma vantagem para os Red Sox que perto do final venciam por 5-2. A estrela dos Red Sox era Pedro Martinez que demonstrava alguns sinais de cansaço. Apesar de ter outras estrelas no banco, o treinador dos Red Sox insistiu em Martinez. Este acabaria por falhar nos últimos minutos e permitir o empate aos Yankees. No prolongamento, os Yankees acabariam por ganhar 6-5. O treinador dos Red Sox seria despedido poucos dias depois.
Ao contrário de outras equipas, algumas mesmo que nunca ganharam um campeonato, os Red Sox têm uma grande legião de fãs, o segundo maior orçamento–atrás, claro está, dos Yankees–e frequentemente equipas talentosas. Desde 1918, no entanto, havia sempre algo que falhava e impedia-os de ganhar. As ilusões e promessas duma época de grande nível costumavam esfumar-se assim que chegava o momento decisivo. Até 2004.
Em 2004, os Yankess terminaram em primeiro lugar na época regular e os Red Sox em segundo. Mais uma vez acabariam por se defrontar nas meias-finais. Tentando acabar com a maldição, a histórica casa onde viveu Babe Ruth enquanto jogador dos Red Sox foi demolida no dia em que a série começou. Mesmo assim, e ao contrário de 2003, os Red Sox não começaram melhor e ao fim de 3 jogos a série era tudo menos equilibrada: os Yankees ganhavam por 3-0. Liderados por Alex Rodriguez, o mais caro jogador de basebol do mundo que tinha sido disputado taco a taco por Yankees e Red Sox no início da época, tudo parecia decidido a favor dos Yankees. Nunca na história do basebol ou basquetebol Americano uma equipa tinha vencido uma eliminatória depois de estar a perder por 3-0. Além disso, Curt Schilling, uma das principais aquisições dos Red Sox para 2004 tinha-se lesionado logo no primeiro jogo da série. No quarto jogo, jogado no Fenway Park, os Yankees lideravam 4-3 a minutos do final. Tudo parecia perdido e a maldição iria continuar. Até que David Ortiz consegui um ponto milagroso que levou o jogo a prolongamento. O mesmo Ortiz marcava mais dois pontos no prolongamento e adiava, pelo menos por um dia, a vitória dos Yankees. A equipa dos Red Sox acreditava na vitória e nas conferências de imprensa os jogadores começaram a usar t-shirts a dizer: “Porque não nós?”
A história dos confrontos entre Yankees e Red Sox era marcada por confrontos equilibrados nos quais os Red Sox até podiam estar a ganhar mas que sempre acabavam por perder. Poderiam ter os Red Sox mudado o curso da história ao recuperar contra os rivais Yankees num jogo decisivo? A resposta veio no jogo 5, uma cópia quase perfeita do jogo anterior. Uma batalha épica de 5 horas e 49 minutos, o jogo de basebol mais longo de sempre no campeonato Norte-Americano. Mais uma vez os Red Sox estiveram a perder até perto do final. Mais uma vez David Ortiz empatou a 4-4. Mais uma vez o mesmo Ortiz decidiu tudo no prolongamento e a vitória por 5-4 sorriu aos Red Sox. Mais do que evitar a eliminação, os Red Sox pareciam ter derrotado a maldição mas ainda lhes faltavam vencer dois jogos que seriam jogados em Nova Iorque.
Durante um jogo em Boston da época regular, uma das figuras dos Red Sox, Manny Ramirez, frustrado por mais uma derrota, afirmou que os Yankees eram o seu “papá”. A partir daí tornou-se norma para os fãs e mesmo jogadores dos Yankees perguntarem aos jogadores dos Red Sox: “Quem é o teu papá?” Na Casa que o Ruth Contruiu, os Red Sox foram recebidos com canções a perguntar quem era o seu papá e fãs dos Yankees com cartazes onde se podia ler “1918”. Mas com os fãs dos Yankees, regressava também Curt Schilling para o jogo 6. Mesmo lesionado no tornozelo, o principal lançador dos Red Sox consegiu aguentar uma vantagem construída cedo e levar a equipa a vencer por 4-2. Com a confiança em alta, pouco interessava aos Red Sox serem a primeira equipa a perder por 3-0 e ser capaz de forçar um jogo 7. Pouco importava estarem a jogar em Nova Iorque contra a equipa mais cara dos Estados Unidos. Os Red Sox esmagaram os Yankees 10-3 no jogo 7 e qualificaram-se para a final.
Na final, os Red Sox defrontaram os Cardinals de St. Louis, a equipa com o melhor ataque da época regular. Os dois primeiros jogos, em Boston, foram equilibrados mas acabaram por pender para os Red Sox graças a um enorme espírito de sacrifício. Exemplo disso é o jogo 2 onde Curt Schilling regressou mais uma vez à titularidade. Apesar de continuar lesionado–vai ter de ser operado durante as férias–e ter sangue na meia do seu tornozelo lesionado, Curt Schilling e os Red Sox aguentaram uma vantagem obtida logo no início do jogo para vencer 6-2. Aquando da sua última presença na final, em 1986, os Red Sox tinham vencido os dois primeiros jogos e depois acabariam por perder 4-3 desperdiçando uma grande oportunidade de se sagrarem campeões. Mas esta equipa dos Red Sox já não estava amaldiçoada. Em St. Louis, a vantagem psicológica dos Red Sox foi total e prova disso foi a excelente prestação defensiva, permitindo apenas 1 ponto aos Cardinals em 2 jogos. Os Red Sox venceram o jogo 3 por 4-1 e o decisivo jogo 4 por 3-0. Pela primeira vez desde 1918, os Red Sox são ‘Campeões Mundiais’.
Mais de 3 milhões de pessoas–cinco milhões de acordo com algumas projecções–invadiram as ruas de Boston para saudar os novos campeões ao frio e chuva. A vitória dos Red Sox não é só dedicada aos seus fãs actuais, mas muito especialmente aos milhares de fãs que nunca tiveram a oportunidade de ver os Red Sox campeões. Como principal clube de basebol não só de Boston mas de toda a região da Nova Inglaterra, gerações de fãs sofreram e choraram com as derrotas dos Red Sox ao longo dos últimos 86 anos. Esta vitória é para todos os que não estão cá para a saborear. Como se podia ler na t-shirt de vários jogadores dos Red Sox na parada: “Os idiotas são os maiores.”
Um adepto fervorosos dos Red Sox é Stephen King, que está mesmo a escrever um livro sobre a sua equipa de basebol preferida. Depois de uma época tão fantástico como esta, é de esperar tudo menos o habitual estilo de Stephen King. Afinal, a maldição do Bambino acabou.
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